Clairvoyance (+18)



F O R B I D D E N
.Noom Eht Fo Edis Krad
XXI JULHO '16

Sempre fui louca por livros.
Nada como mergulhar entre momentos alheios, sentir em mim a experiência de outros.
Um dia, talvez, aquelas diversas emoções fariam parte de minha vida real.
Pelo menos era este meu desejo.
Mas o passar dos dias teimavam em me mostrar o contrário.
Enquanto isso, disfarçava a monotonia, regando-a com minhas pequenas fugas à livraria.
Como eu disse, sempre fui louca por livros.
E entre eles, lá encontrei novamente aquela menina que me enlouquecia.
Era como se ela fosse a invenção de algum daqueles autores.
Uma personagem que parecia ser autêntica, divertida e completa.
Foi o que julguei ao observar seu estilo: cabelo perfeitamente desalinhado, bottons em sua jaqueta, um tênis surrado (talvez cúmplice de boas aventuras) e, acima de tudo, sua fofa tatuagem de uma obra de Magritte.
"Clairvoyance", algo como "ver claramente".
Fiquei surpresa ao encontrar alguém que também amava um pintor tão raro.
Talvez eu fosse, entre suas amigas, a melhor pessoa para chegar e fazer um elogio à arte em sua pele. Assim, ela perceberia que outro alguém ali tinha algo em comum a ela.
"Clarevidência".
E para mim, estava "claro de ver" que eu não teria a menor chance.
O sorriso dela era lindo. O meu, escondido no aparelho, só se renderia quando o sorriso dela se juntasse ao meu. Aquele sorriso - que aniquilaria calotas polares - me cativava. E de tanto me dedicar a ele, a sensação de que eu estaria vivendo uma história apenas aumentava.
Devo ter perdido o senso de realidade por um instante. A paixão faz essas coisas.
Talvez por isso garimpei algumas coragens e me aproximei.
"Magritte!"
A cena era impagável: o dedo de uma garota desconhecida apontava a coxa esquerda de outra garota desconhecida. Daqueles momentos que, de tão inesperados, nenhuma tentativa de conversa terminaria sem um embaraço.
Mas aquela menina sorriu novamente. E desta vez para mim. E desta vez ela olhava em minha direção. E esta vez seria a nossa vez de escrever uma história, ainda que breve.
"Você o conhece?"
Lembrando agora, percebo que era uma óbvia pergunta estúpida dela, mas prefiro imaginar que essa linda poderia ter perdido seu senso de realidade também. Livros fazem isto com a gente. Algumas histórias - talvez por preguiça do escritor - são aceleradas sem algum motivo justo.
E por mais que aquela cena da livraria tenha parecido demorar algumas eternidades, lá estávamos nós dias depois dividindo o sofá de minha casa, compartilhando a leitura de um livro.
Minha coxa esquerda, tão sem-graça comparada à dela, recebia a visita de sua mão. Num movimento simples, como outras vezes, passeou suas mãos entre minhas pernas, subiu um pouco e tocou-me, iniciando um carinho. Eu como sempre, me acendi, ainda que umedecida, sem chão e sem fôlego. Fogo, água, terra e ar, numa mística experiência que nos transcendia.
Seus dedos sabiam bem como vencer minha roupa. Eles desbravavam com facilidade e encontraram minha pele aquecida. Cada dedo parecia possuir uma personalidade distinta, como personagens de Assis. Por vezes o movimento era acelerado, noutras suave e intenso, o ritmo fluido de escrita que sempre me seduziu. Seu dedo mais hábil me invadia como um narrador que conhece bem os pensamentos de todos na história. Eu não sabia - nunca soube - como disfarçar meu corpo inquieto.
E em rendição, estremeci.
Aquele sorriso que tanto admirei atacou meu pescoço. E no momento certo chegou à minha orelha, provocando-me um arrepio. Meus olhos se fecharam, minhas pernas se abriram por instinto e embriaguei-me de excitação e desejo.
Como leitura que fazemos apressadamente, não percebi quando seus dedos foram substituídos por sua língua atrevida, que mantinha a qualidade do trabalho. Deitei-me no sofá e contemplei melhor seus movimentos.
Ela me devorava como ao final do pote de iogurte que dividimos pela manhã. E pela intensidade, suspeito que com mais vontade desta vez. Mordeu-me de leve e não me importei. Nem pude deixar de jogar minha cabeça para trás, perdendo a oportunidade de ver seu cabelo macio cobrir o meu umbigo.
Toquei meus seios, massageando como fazia em meu quarto, sozinha. Apesar da boca seca, fiquei cada vez mais molhada, num delicioso paradoxo.
Quando ela iniciou meu ritmo favorito, larguei meus seios e segurei-a pelo cabelo.
A qualquer momento, seria o momento. Daqueles que usamos uma caneta marca-texto para destacar nosso trecho favorito, embora eu tenha o hábito de dobrar a ponta da página para mais facilmente encontrá-la. E desta forma guardei aquele instante. Aquela página/cena estaria para sempre dobrada em minha memória.
Peço desculpas por interromper o que estava acontecendo entre nós duas ali naquele sofá para falar mais uma metáfora sobre livros. Talvez você concorde que seja necessário.
Por mais que nossas bocas se conhecessem bem e que suas curvas já não eram um mistério para mim, eu continuava a estranhar a velocidade daquilo tudo. São tempos velozes. Relacionamentos breves e corriqueiros. Páginas que são escritas enquanto são folheadas para a próxima.
Eu não pertenço a este tempo. Eu não amo livros assim.
Definitivamente, eu estava cansada dessa história.
E graças a isto, a olhei desta vez de um jeito diferente.
Passei minha mão em seu cabelo perfumado e cheguei ao suave calor de sua nuca.
O mais estranho é que ela estranhou um pouco.
Detive meu olhar no dela por um instante e aos poucos aquele monólogo silencioso se transformou em um diálogo sem palavras.
Apontei para sua coxa e, não sei como, conseguir fazer o mesmo rosto de dias atrás.
"Magritte!"
Ela manteve o olhar surpreso, que logo se transformou num sorriso. E nos transformou.
Talvez eu tenha acabado de inventar uma máquina do tempo.
Estávamos decididas a voltar algumas páginas de nossa história e, embora fosse uma tarefa complicada, tentaríamos reescrevê-la. Desta vez no ritmo tranquilo que estávamos precisando.
Fugiríamos do romances de pular páginas que nos tornamos.
"Você é uma das poucas pessoas que conhecem essa pintura. Eu preciso te conhecer melhor".
Não foi isso que ela disse. Seria forçado demais. Mas era como se tivesse dito.
Daquele parágrafo em diante, ficou claro de ver que tudo entre nós ficaria melhor escrito.
Tudo em ritmo apropriado, apreciando bem o cheiro de cada página.
Não basta apenas ver, é também preciso ler claramente.

jambelfort
::.

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