FILME - Fidelidade, Cinema e Demais Ilusões


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Filme - "Fidelidade, Cinema e Demais Ilusões."

Tem certas novelas que conhecemos o final logo no primeiro episódio.
Mas nada no romance daqueles dois parecia andar por este caminho. Não, mesmo!
Eles ainda estavam empolgados com as novidades constantes, com os novos cenários, com as descobertas envoltas em sorrisos. Era mais parecido com um filme de ação, de aventura. Uma dose de comédia. Por vezes pornô...
Ok, muitas vezes bem pornô.
Mas jamais uma novela!
Ainda que fosse dividido em capítulos, eles encaravam, no máximo, como um seriado. Sempre era um “final” que continuava. Tipo os gibis da Marvel...
Era daqueles que quando terminam uma parte, nos deixam ansiosos para baixar o novo episódio no rapidshare. E olha que cada temporada era mais instigante que a outra. Os personagens cativavam e mantinham a trama em alto nível.
Nada clichê. Nada decorado. Nada nhenhenhém. Tudo bem vívido. Cada vez mais surpreendente... Aquele romance daria um belo romance. Uma espécie de autobioeroticografia.
Bom, mas aí veio a tal da Claudiane.
Não foi assim como quando uma atriz famosa faz uma aparição na cena. Não era lá um “participação especial”. Essa daí surgiu do nada, essa linda, no meio dos figurantes. Sei lá quem a deu uma fala completamente transeunte.
Cena externa: Casal principal anda pela calçada e passa por uma ruiva conversando com uma amiga.
Acho que a fala dela era um “...foi então que eu o encontrei ali no...”.
Sei lá.
Na verdade o nome dela nem sei se é Claudiane. Estou nivelando por baixo, me baseando pela feição da criatura. Ela tinha cara de Claudiane, nome de atendente de loja...
A aparição da moça na tela durou exatos 21 frames. Quase 1 segundo. Mas roubou completamente a cena.
Que diabos o diretor tinha em mente pra julgar essa parte como necessária? Não mereceria nem ir para os extras!
Só sei que chegando em casa, o mocinho viu a fita, encheu a testa de linhas horizontais e reviu a cena umas trocentas vezes.
Aquele segundo foi repetido por quase um minuto e lhe ferveu os pensamentos.
Era o fim do casal principal – disse eu na mesma hora.
Seu maior objetivo agora era encontrar aquela figurante fulgurante de andar atraente.
Tirou da calça uma bic e anotou num papel as pistas.
Vamos lá: vestido meio que amarelo. Batom meio que vermelho. Segurava uma casquinha de sorvete. Meio que baunilha.
Bom... só isso.
Levou o DVD para o computador, deu Print Screen e imprimiu aquela fração de segundo que lhe tomou por inteiro. Mas a merda do diretor nada sabia, nem a bruta da moça do cast. Sua busca se desvanecia a cada frustração...
Amanhã era dia de gravação e sua atenção estaria inegavelmente voltada para a misteriosa ruiva. Mas... revisando o script, percebeu que amanhã era justamente o dia daquela cena romântica... Ele teria que estar aos beijos, bem ardentes, numa rua bem movimentada.
E se ela ali figurasse novamente? Mas ele não poderia fugir. Seu contrato o impedia.
O seriado, apesar de já estar na quarta temporada, mantinha-se no auge do sucesso. Valeria a pena abrir mão por algo tão incerto?
“Silêncio no estúdio... ação!” Eita, lasqueira...
Não teve jeito, ele estava muito diferente. Vestia até gravata o pobre diabo. Se é que ele estava ali. Pelo menos não a região do cérebro responsável pela emoção. Não sei qual hemisfério do cérebro o dominava, mas parecia que a globalização estava ali também.
Ele olhou a namorada de jeito vago, com cara de quem despertou pelas 5h acordado por uma testemunha-de-Jeová na porta. Ali ele parecia um Ferdinando Gonzalez de novela mexicana. Com frases feitas em um rosto enjoativo.
Ela até que percebeu, mas, profissional, realizava eximiamente seu papel.
E eis que veio a cena do beijo na avenida. Os olhos dele percorriam todo o set de gravação.
Nada de ruiva. Nada de vestido amarelo. Tinha um gordinho tomando sorvete de baunilha.
Mas veio o beijo e tudo mudou.
Até hoje não sei a diferença entre beijo-técnico e beijo-pra-valer, mas aquele ali fugia qualquer adjetivação. Era o-beijo-deles. Era tipo o beijo do Homem-Aranha na Kirsten Dunst, mas sem estar de cabeça pra baixo. Confesso que queria ter uma micro-câmera ali pra aprender.
Naqueles 9 segundos, passou-lhe cenas dos episódios anteriores, num flashback bem editado. O áudio também estava impecável. Lembrou os momentos de ouro do relacionamento.
O figurino ficou a desejar, pois não o tinham.
Bom, no videozinho mental veio a tal cena da Claudiane com seu “...foi então que eu o encontrei ali no...”.
Ele abriu os olhos e findou bruscamente o aracnobeijo. Ali estava ela, a ruiva, na calçada, com casquinha e tudo.
1 segundo. Era tudo o que ele tinha para decidir o destino de seu personagem. Na verdade, de todos. Mesmo sendo filme, não tinha espaço para um final alternativo, pra escolher depois qual o melhor. Naquele nanosegundo nada lhe inspirava.
Nem a Marvel. Nem o Ferdinando Gonzalez. E o maldito gordinho já estava no terceiro sorvete!
Sabe lá Deus o que o fez titubear entre o-amor-de-sua-vida e uma-ruivinha-paraquedista.
Tá, ela tinha um belo par de seios, feito dois-pássaros-voando... mas vai que ela seja uma psicopata, ou fascista, ou assembleiana!?
O pássaro-na-mão tinha tantas qualidades... E foram quatro temporadas maravilhosas!
Foi então que se rendeu. Quando o diretor gritou “corta!”, a coisa ficou doida.
No outro lado da calçada, outra mulher, mulata, sorria para ele como que laçando um touro em Barretos.
Nossa, que pernas! Carambas, que pescoço! Putzgrila, que mulata!
Num movimento único, agarrou sua namorada inesperadamente e tascou-lhe novamente um beijo daqueles que a gente capricha no primeiro encontro.
O diretor não entendeu. O público ali não entendeu. A ruiva não entendeu. O gordinho já estava no quinto sorvete. A mulata não entendeu.
Na verdade, eu acho que nem ele entendeu o que estava fazendo. Mas o moleque fazia e fazia bem feito.
Refletindo em casa, acho que deu pra eu entender.
Esse mundo holywoodiano é cheio de belas atrizes. Se fosse pra escolher a melhor, pularia-se de galho em galho e nunca se convenceria. E essa infinita sequência de pulos magoaria a cada uma, como se o pulo fosse bem no calo delas. Não era isso o que ele queria. Ele queria uma pra fazê-la apenas feliz. Uma que o aguentasse em qualquer situação, em todos os frames, seja a temporada que for. E isso ele já tinha, bem ali nos seus braços.
Acho que foi isso que o fez agir daquela maneira.
Ou talvez não, já que uma semana depois ele foi visto numa varanda beijando uma moça meio fraca de aparência.
O pior é que tem filmes que também conhecemos o final logo no primeiro episódio.
Eu, que estou de fora, fico no lucro e nem me abalo. Estava querendo mesmo é ver os erros de gravação.

(...)

Final Alternativo

(...)
Refletindo em casa, acho que deu pra eu entender.
Esse mundo holywoodiano é cheio de belas atrizes. Se fosse pra escolher a melhor, pularia-se de galho em galho e nunca se convenceria. E essa infinita sequência de pulos magoaria a cada uma, como se o pulo fosse bem no calo delas. Não era isso o que ele queria. Ele queria uma pra fazê-la apenas feliz. Uma que o aguentasse em qualquer situação, em todos os frames, seja a temporada que for. E isso ele já tinha, bem ali nos seus braços.
Acho que foi isso que o fez agir daquela maneira.
E os quarenta e seis sentidos de sua namorada deviam ter percebido todo aquele roteiro.
Acho que foi isso que a fez o amar mais ainda daquela maneira.
Ou talvez não, já que uma semana depois ela foi vista numa varanda beijando um cara meio fraco de aparência.
O pior é que tem filmes que também conhecemos o final logo no primeiro episódio.
Eu, que estou de fora, fico no lucro e nem me abalo. Estava querendo mesmo é ver os erros de gravação.


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jambelfort
www.livroabertonoescuro.blogspot.com
jamys2006@gmail.com

(Texto Registrado. Mencione minha autoria)


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